“Ontem passámos o primeiro dia inteiro em casa. Num estado de namoro, de não acreditar na nossa sorte ou no nosso azar - mas de aceitá-los com muitos obrigados - dormimos e acordámos juntos, como não temos feito nos últimos dias. Depois pequeno-almoçámos com o chá chinês e as torradas alentejanas e os queijos franceses dos últimos tempos. Namorámos e portámo-nos como fugitivos, exultando por conseguirmos estar sozinhos, longe dos hospitais e dos hotéis onde nos separaram, para nosso bem.
Depois almoçámos onde sempre almoçámos, comendo o que nos apetecia - logo no lugar onde tinha previsto, na véspera, o professor João Lobo Antunes, que almoçaríamos. No mais do que maravilhoso Neptuno. Não fosse ele um perito da Praia das Maçãs e da relação amistosa entre o sistema nervoso central e o peixe, que é óptima.
O dia-a-dia é milagre, como a vida. Ter a Maria João só para mim e ser para a Maria João só para ela é o mais que se pode pedir: até aceitar é difícil. O meu amor na minha vida. E o amor dela por mim na vida dela. E estes dois amores nas nossas vidas: que maior amor, nas nossas vidas, pode haver?
A Maria João deixa cair uma coisa. Como eu estou sempre a deixar. A coisa cai e parte-se. Sem deixar qualquer ausência ou importância. Diz ela: "Deixa estar".
É isso mesmo: deixemos estar. Estar já é bom. É morrer e não estar que não são.
Só resta o que é bom. A última coisa a ir-se é a primeira que veio.
O amor é a vida: é mais. A vida é menos.”
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